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Adequação ambiental de propriedades rurais à luz da Constituição Federal e da Ecologia

SUMÁRIO

Pequenos, médios e grandes proprietários rurais possuem o dever de adequar ambientalmente seu imóvel de acordo com o novo Código Florestal. Nesse processo, é importante uma interpretação integrada da legislação de modo a conciliar produtividade rural e a conservação do meio ambiente. O presente trabalho tem como objetivo oferecer diretrizes que auxiliem a adequação das propriedades rurais no momento de interpretação do Código Florestal. Para tanto, inicialmente, apresentamos ao proprietário rural os elementos básicos de interpretação de leis ambientais, demostrando que:

 

(a) a legislação brasileira está organizada em uma estrutura hierárquica na qual a Constituição Federal representa a lei superior e que, por isso, todas as demais leis, incluindo o Código Florestal, devem ser interpretadas sob sua ótica;

(b) a Constituição garante o direito à propriedade na medida em que ela cumpra sua função social, levantando a possibilidade de existir penalidades associadas ao descumprimento desse dispositivo;

(c) o cumprimento constitucional da função social da propriedade requer o atendimento de determinados requisitos ambientais, tais como a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente;

(d) a Constituição estabelece o direito das presentes e futuras gerações a um meio ecologicamente equilibrado, atribuindo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.

Com base nesses conhecimentos, serão apresentados dois exemplos sobre como fazer a interpretação de leis que tratam de propriedades rurais (Lei de Reforma Agrária e Código Civil) à luz do que determina a Constituição Federal. Em seguida, sugerimos como elementos derivados da ciência ecológica podem guiar a interpretação do texto constitucional, esclarecendo que:

 

(a) a propriedade rural possui ecossistemas que são provedores de serviços essenciais para a manutenção da qualidade ambiental, capacidade produtiva do imóvel e bem-estar humano;

(b) a diversidade biológica está relacionada com a resiliência e resistência dos ecossistemas, influenciando sua capacidade de fornecimento de serviços ao longo do tempo; e, assim, que

(c) o cumprimento dos requisitos ambientais da rural depende da garantia da manutenção da biodiversidade local.

 

Finalmente, propomos para o proprietário rural diretrizes de interpretação e aplicação do Código Florestal com base no conteúdo da Constituição Federal e em elementos da ecologia, bem como de peças jurídicas produzidas pelo Ministério Público Federal.

INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

 

Para o atendimento da legislação atual, independentemente do tamanho ou estrutura da propriedade rural, todos os proprietários devem regularizar seus imóveis de acordo com as novas exigências do Código Florestal, que instituiu o Cadastro Ambiental Rural – CAR. A inscrição no CAR é obrigatória para todos os imóveis rurais (propriedades ou posses), sejam eles públicos ou privados, assentamentos da reforma agrária e áreas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território. A inscrição no CAR deverá ser requerida no prazo de um ano contado a partir da publicação da IN n° 2/14 do MMA, que ocorreu no dia 5 de maio de 2014, sendo que esse prazo poderá ser prorrogado por mais um ano.

 

No processo de cadastramento das propriedades no CAR, as seguintes informações deverão ser fornecidas: 1) Identificação do proprietário ou possuidor rural; 2) Informações dos documentos comprobatórios da propriedade ou posse rural; 3) Identificação do imóvel rural; e 4) Delimitação do perímetro: do imóvel; das áreas de remanescentes de vegetação nativa; das Áreas de Preservação Permanentes (APP) e de Reserva Legal (RL); e das áreas de uso restrito e áreas consolidadas 5. Assim, o cadastramento através do CAR representa para o proprietário rural uma vantagem potencial para o planejamento de sua propriedade, definindo os limites de suas áreas de preservação e de seus espaços de produção. No entanto, para cumprir adequadamente esse dever é importante compreendê-lo a partir de uma visão geral sobre como as leis devem ser interpretadas.

As leis estão inseridas em uma estrutura hierárquica: a interpretação de leis hierarquicamente superiores deve direcionar a interpretação de leis inferiores. No Brasil, a Constituição Federal é a legislação superior e, por isso, sua interpretação representa um referencial para a interpretação de todas as leis. Isso quer dizer que o proprietário rural deve fazer a adequação ambiental de sua propriedade de modo a atender a Constituição Federal e harmonizar sua interpretação com a de outras leis que tratam de imóveis rurais, tais como a Lei da Reforma Agrária, o Código Civil e o Código Florestal.

A Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo que estabelece o direito à propriedade, determina que ela deve atender a sua função social (Art. 5o, incisos XXII e XXIII) e atribui à União a competência de desapropriar, por interesse social, o imóvel rural que não cumpra essa exigência (Art. 184). Seu Artigo 186 define que o imóvel rural cumpre sua função social quando atende simultaneamente a requisitos econômicos (aproveitamento racional e adequado), sociais (observância das normas que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores) e ambientais, sendo que o requisito ambiental é formulado como “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

A Constituição remete à legislação específica o estabelecimento dos critérios de cumprimento do requisito ambiental da função social, como visto na Lei da Reforma Agrária (Lei no 8.629) (Figura 1). De acordo com essa lei, “considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade” (Art. 9º, par. 2º). Além disso, segundo a mesma lei “considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas” (Art. 9º par. 3º). Dessa forma, ela contempla os requisitos ambientais da função social presentes no artigo 186 da Constituição.

 

Esses critérios definidos na Lei da Reforma Agrária refletem claramente a formulação constitucional de um direito estabelecido no artigo 225 da Constituição, que afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, “manter o potencial produtivo da propriedade”, na Lei da Reforma Agrária, remete ao dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado “para as presentes e futuras gerações”, expresso na Constituição. Ainda, a Lei da Reforma Agrária indica que a “preservação do meio ambiente” se dá pela manutenção das características do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais na medida adequada: (a) à “manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade”, referência ao texto constitucional que estabelece o direito ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”; e (b) à manutenção “da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas”, referência ao texto constitucional que afirma que um meio ambiente ecologicamente equilibrado é “essencial à sadia qualidade de vida”.

Relação entre o cumprimento da Lei de Reforma Agrária e o atendimento da dimensão ambiental da função social da propriedade prevista na
Constituição Federal

O Código Civil Brasileiro (Lei Nº 10.406, 2002) também estabelece critérios para o atendimento da dimensão ambiental da função social da propriedade, definida na Constituição Federal. Nessa lei, o direito à propriedade deve ser exercido de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais e o equilíbrio ecológico e evitada a poluição do ar e das águas (Art. 1.228, § 1º). O cumprimento de tais critérios irá assegurar a “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis” e a “preservação do meio ambiente”, contribuindo para a função social da propriedade prevista no art. 186 da Constituição. O Código Civil também reflete, por meio de seus critérios de atendimento da função social, o direito constitucional a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” que seja “essencial à sadia qualidade de vida”, e a garantia desse direito “para as presentes e futuras gerações”, em conformidade com o princípio ambiental do art. 225.

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